terça-feira, 16 de junho de 2009

A Prerrogativa de Prazo das Procuradorias Estatais e do Ministério Público e o Projeto de Lei nº 61/2003

Por Cristovam Pontes de Moura*

Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 61/2003, de autoria do então Deputado José Roberto Batochio (PDT-SP), o qual visa à revogação do artigo 188 do Código de Processo Civil, que “dispõe sobre o cômputo em quádruplo do prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”.

A justificativa apresentada se concentra num único argumento: o de que a previsão de tais prazos elastecidos seria um resquício da ditadura militar, violando o princípio da isonomia.

A questão não é nova. Na verdade, sempre houve tentativas de abolição das prerrogativas de prazo das Procuraturas Públicas e do Ministério Público1, tendo se tornado lugar-comum atribuir todas as mazelas do processo aos prazos dilatados, acrescentando ao argumento de infringência à igualdade inter partes pretensa responsabilidade pela morosidade da tramitação processual.

Ora, basta um olhar atento às especificidades das entidades detentoras de tal prerrogativa para se constatar que as conclusões alcançadas pelo Projeto de Lei nº 61/2003 são falaciosas.

Inicialmente, espanca-se a alegação de que a previsão da prerrogativa de prazo sejam criações do regime militar pelo simples fato de o Código Processo Civil ter sido promulgado em 1973, pois, a um só tempo, comete-se uma impropriedade e uma injustiça. A impropriedade reside em não se observar que a distinção de prazo já existia no Código de 1939, e a injustiça, na temerária estratégia de imputar a toda e qualquer norma que tenha entrado em vigor entre 1964 e 1985 a pecha de “resquício da ditadura militar”.

No tocante ao princípio da isonomia, tem-se que não diz simplesmente com a igualdade formal, mas principalmente com a igualdade material, consistindo em “quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam2”. Nessa linha, seria impraticável atribuir às Procuradorias Estatais e ao Ministério Público os mesmos prazos peremptórios a que está sujeito o particular, pois, ao contrário do que ocorre com os advogados, não é dado aos membros dessas instituições escolher sua demanda – sempre superior à capacidade dos respectivos quadros –, sendo obrigados a oficiar em tantos processos quantos lhe forem confiados. Impende salientar que o mesmo raciocínio se aplica aos Defensores Públicos, contemplados com prerrogativa de prazo em dobro pela Lei nº 7.871/89 e que, por ora, não enfrentam a ameaça.

Especificamente tratando das Procuraturas Públicas, não se olvida que, para uma instrução processual íntegra, estão submetidas a uma série de procedimentos burocráticos – ínsitos à Administração Pública – para coletar material a fim de alcançar a contextualização fática da demanda. Sem isso, restringir-se-ia a ampla defesa e o devido processo legal, prejudicando-se a defesa do interesse público, o que, a princípio, não poderia interessar a cidadão algum.

Ademais, a justificativa trazida pelo Projeto se encontra superada doutrinária3 e jurisprudencialmente, sendo entendimento pacífico no Supremo Tribunal Federal a consonância da prerrogativa de prazo com a isonomia material4.

Por oportuno, refuta-se também a arguição de que os prazos dilatados causariam morosidade processual, visto que, além de tal afirmação não possuir base científica, evidencia-se que os atrasos existentes não são mensurados em alguns dias, mas em vários anos, em virtude de uma série de fatores dentre os quais, certamente, não está incluído o prazo distinto de que trata o Projeto.

Desse modo, é imprescindível destacar que a prerrogativa de prazo não se consubstancia em “privilégio”, mas em direito com status de fundamental, na medida em que concretiza o devido processo legal na perspectiva das Procuradorias Estatais e do Ministério Público, que, cada qual a seu modo, representam os interesses de todo o corpo social.

Em tempo: o Projeto de Lei nº 61/2003 foi apreciado no âmbito do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, tendo o relator, Conselheiro Tito Costa de Oliveira, Procurador do Estado do Acre, se manifestado pelo seu arquivamento. Da mesma forma, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado da República rejeitou a proposta.

*Cristovam Pontes de Moura é Procurador do Estado do Acre, Coordenador de Execução (titular) e de precatórios (substituto), Pós-Graduado em Direito Processual Civil e Direito Constitucional, Membro de Assuntos Jurídicos da Associação dos Procuradores do Estado do Acre - APEAC.

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[1] BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Benefício da Dilatação de Prazo para a Fazenda Pública. Revista de Processo, n. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 51-58, jan./mar. 1976.
[2] BARBOSA, Rui. Oração aos Moços. Martin Claret: São Paulo, 2003, p.19.
[3] MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de Processo Civil. Tomo III 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997, p. 147; CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 3. ed. São Paulo: Dialética, 2007. p. 34.
[4] RE 133984, 1ª T., Rel. Min. Sydney Sanches, j. 15.12.1998, DJ 18.6.1999, p. 22; RE 194925 ED-EDv, Plenário, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 24.3.1999, DJ 19.4.2002, p. 59; AI 349477 AgR, 2ª T., Rel. Min. Celso de Mello, j. 11.2.2003, DJ 28.2.2003, p. 13; RE 453740, Plenário, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 28.2.2007, DJe-087 DJ 24.8.2007, p. 56.

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