sexta-feira, 5 de junho de 2009

Moralidade pública na escolha dos chefes das procuradorias estaduais

A forma de investidura de cargos das Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal foi decidida pelo Supremo Tribunal Federal em 12 de feverei-ro, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 2.682, do Estado do Amapá, ajuizada pelo Conselho Federal da OAB. O STF conside-rou ser da competência dos Estados e do Distrito Federal a definição do modo de recrutamento do chefe da carreira. A análise dos argumentos do STF per-mite concluir sobre o estado atual do tema.

O entendimento de que o governador tem o direito de escolher livremente o Procurador-Geral do Estado prevaleceu unanimemente na ADI n. 217-PB sob dois fundamentos: a) o art. 131 da Constituição da República que permite ao Presidente da República escolher o Advogado-Geral da União mediante recru-tamento amplo seria aplicável, por simetria, aos Estados; b) a liberdade políti-co-administrativa do Governador imporia a liberdade de escolha do Procura-dor-Geral do Estado.

A aplicação do art. 131 da Constituição da República, por simetria, aos Esta-dos e ao Distrito Federal foi afastada pelo Min. GILMAR MENDES, no jul-gamento da ADI n. 1.679-GO, em 8 de outubro de 2003. No julgamento da ADI n. 2.682, no entanto, o Presidente do STF desconheceu sua própria lição, ao sustentar exatamente o contrário!

A necessidade de se assegurar a liberdade político-administrativa ao governa-dor foi defendida pelo Min. JOAQUIM BARBOSA nas ADI’s ns. 2.581-SP e 2.682-AP, sob o argumento de que o Procurador-Geral de Estado exerce fun-ção... política! Para S. Exa. a exigência do recrutamento limitado do Procura-dor-Geral do Estado resultaria em “estranho no ninho de quem foi eleito pelo povo. Subversão total” (ADI n. 2.581). O Ministro não levou em conta que a liberdade político-administrativa do governador deve respeitar os limites tra-çados pela Constituição e que as funções do Procurador-Geral do Estado, em-bora de importância política, são eminentemente técnicas.

É difícil crer que o mesmo Ministro que julgou ser o parecer jurídico vincu-lante para o agente público, quando a lei o exige (MS 24631-DF), tenha afir-mado a máxima liberdade do agente público na nomeação do mais importante parecerista dos Estados e do Distrito Federal! De que adianta afirmar a vincu-lação ao parecer se o parecerista-mor, aquele encarregado da aprovação de todos os pareceres, “deve” ser demissível ad nutum por seu consulente?

O dado mais surpreendente em toda a discussão da matéria no STF, contudo, é a desconsideração dos princípios da moralidade e da impessoalidade, que cor-roboram as duas faces da tese do recrutamento limitado: a que afirma a apti-dão dos Procuradores de Estado para chefiar a própria carreira e a que eviden-cia os riscos de se ter um chefe da carreira alheio à Instituição.

A aptidão dos procuradores de Estado para chefiar a própria carreira decorre da natureza técnica das funções dos advogados públicos. Contra o entendi-mento de que as funções do Procurador-Geral seriam políticas é de se questio-nar: que assunto pode haver entre um Governador e um Procurador-Geral do Estado que exija deste em relação àquele um vínculo de pessoalidade? Que não possa ser levado a um Procurador de Estado concursado? Que atendimen-to melhor à Constituição e às leis pode conceder um Procurador-Geral de Es-tado alheio à carreira, em relação a um que tenha se submetido ao concurso público previsto na Constituição da República?

Quanto aos riscos do recrutamento amplo, na perspectiva do princípio da mo-ralidade, basta um: o do patrocínio infiel ou da tergiversação. “Patrocínio infi-el”, “tergiversação” ou “patrocínio simultâneo” são condutas previstas no art. 355 do Código Penal. Nelas incorre o advogado que prejudica interesses que lhe são confiados. Dizem respeito à fidelidade que todo advogado deve guar-dar aos interesses de seu cliente.

Relativamente ao exercício da advocacia pública, o limitado número de entes envolvidos e a extensão dos mesmos leva a que o advogado se especialize numa de duas posições: advoga-se em favor de determinado ente, ou contra. Então, ao permitir o recrutamento amplo, o que fez o STF foi consagrar a pos-sibilidade de advogado que antes atuava contra o Estado vir a assumir sua de-fesa, temporariamente, para poder voltar a atacá-lo quando da troca de gover-no ou mesmo antes. Sem quarentena.

Mais surpreende que o STF tenha aberto as portas a essa possibilidade se se tem em conta os entendimentos moralizantes da vida pública nacional que a Corte tem promovido, como o que diz respeito à fidelidade partidária (MS 26.604-DF). Leigos e especialistas não compreendem: como o dever de fideli-dade de um advogado a seu cliente (e no caso o cliente é o Estado) pode ser menor do que o de um político a seu partido?

Como se vê, a esperança de que o critério de escolha do chefe das procurado-rias de Estados por recrutamento limitado venha a prevalecer encontra alento no seio do próprio STF e, mais especificamente, nas palavras dos mesmos Ministros que o rejeitaram no dia 12 de fevereiro de 2009.

Marco Túlio de Carvalho Rocha
Procurador do Estado de Minas Gerais

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