Não se pretende tratar aqui do advogado público, individualmente considerado, mas sim da advocacia pública como um todo, abordando as instituições encarregadas da advocacia das unidades federativas e demais entidades com personalidade jurídica pública.
Há vasta doutrina e legislação sobre a independência profissional e isenção técnica dos advogados públicos. Todavia, ainda se engatinha no que atine à independência das instituições a que estão vinculados. Lembre-se de que instituições fortes implicam no avigoramento da independência de seus membros e vice-versa, reforçando a garantia de um efetivo Estado Democrático de Direito.
Aliás, sendo o princípio da legalidade um dos engenhos de funcionamento do Estado Democrático de Direito, forçoso reconhecer a necessidade de análise do aspecto legal dos atos administrativos por uma instituição dotada de independência. Ao mesmo tempo, garante-se aos cidadãos a atuação na representação judicial do Estado de forma asséptica e impessoal, livre de ingerências indevidas de autoridades públicas, perseguições e favorecimentos.
Não se pode perder de vista que o Direito Administrativo só surgiu e encontra sua razão de ser num Estado fundado na lei. Não se cogitava de Direito Administrativo romano ou medieval, porque só agora na Idade Contemporânea, quando "se afirmaram os direitos e prerrogativas dos particulares em face da instituição governamental, com a criação do Estado de Direito, substituindo o Estado de Polícia", é que surgiu a possibilidade de se pensar no direito administrativo como disciplina própria.
Lembra FIDES ANGÉLICA OMMATI que "a advocacia pública foi, historicamente, decorrência da distinção entre o Príncipe e o Estado, de uma parte, e, ainda, entre o Estado-poder e o Estado-sociedade, submetendo-se a organização estatal à limitação da lei." Resgata, outrossim, que "a advocacia pública tem origem comum e conjunta ao hoje denominado Ministério Público, na expressão de DIOGO MOREIRA NETO, "advocacia da sociedade"".
Todavia, à medida que os direitos fundamentais de terceira geração pontilhavam no horizonte, emergia a necessidade de especializar as funções do Parquet, que, muitas vezes, se situava em incômoda circunstância entre a fiscalização da aplicação da lei, em atuação custos legis, e a de advogado do Estado-administrador, parte no processo.
Esse impasse foi sentido com mais força nos Estados-membros, pela proximidade maior dos fatos e das partes envolvidas. Há meio século, tem-se vivenciado estadualmente a experiência de se separar em corpos especializados distintos o patrocínio judicial, de um lado, e a orientação do aplicar, em situações concretas, os comandos legais, de outro. Tendência definitivamente consolidada na Constituição da República de 1988, inclusive no plano federal.
Enfim, do mesmo modo que no processo penal ficou constada a necessidade de distinção das funções de acusar, defender e julgar, distribuindo-as a órgãos diversos, abolindo o processo inquisitório e o procedimento judicialiforme; a experiência da advocacia pública como Advocacia de Estado, geralmente organizada em Procuradorias do Estado, demonstrou essa inevitável especialização das funções de defesa judicial do Estado quando em conflito de interesses com os particulares ou a instituição de promoção dos interesses da sociedade (Ministério Público). Forçosa, portanto, a existência de diferentes instituições autônomas, cada qual desempenhando com independência sua função essencial à justiça. Destarte, foram assentados constitucionalmente o Ministério Público (arts. 127 a 130), a Advocacia Pública (pelo menos em nível federal e estadual, arts. 131 e 132), a Defensoria Pública (art. 134) e até mesmo a advocacia privada (art. 133).
A partir de então, o Ministério Público se fortaleceu e ganhou o reconhecimento da sociedade. Na mão oposta, observa-se a decadência da advocacia pública, no âmbito federal, e em diversas unidades federativas, sendo vista pelos cidadãos como advocacia do diabo em prol dos governantes e não do Estado. Em função disso, passou a ser encarada por muitos profissionais como uma mera carreira de passagem para se alcançar outras mais nobres como o Ministério Público ou a Magistratura.
Mas qual a razão dessa tragédia? O problema reside no fato de ninguém saber ao certo o que é advocacia pública, nem mesmo os próprios advogados públicos. Imprescindível, portanto, que esclarecimentos, conceituações e definições sejam feitos.
Primeiramente, advogado público é gênero, do qual, entre nós, são espécies o Advogado da União, o Procurador da Fazenda Nacional, o Procurador Federal, o Procurador do Estado, o Procurador do Distrito Federal e o Procurador do Município, bem como os Assessores, Consultores e Técnicos Jurídicos abrigados pela regra de transição do art. 69 do ADCT.
Em segundo lugar, deixar bem claro que não se trata de mero assessoramento jurídico ou patrocínio judicial do governo. Se assim fosse, poderia perfeitamente ser prestado por escritórios, profissionais liberais ou ocupantes de cargos comissionados, sem a necessidade do tratamento constitucional recebido. Poderiam até ser extintas sem maiores problemas a Advocacia-Geral da União e as Procuradorias-Gerais dos Estados e do Distrito Federal.
Vislumbra-se, na verdade, que a advocacia pública é o conjunto de funções permanentes, constitucionalmente essenciais à Justiça e ao Estado Democrático de Direito, atinentes à representação judicial e extrajudicial das pessoas jurídicas de direito público e judicial dos órgãos, conselhos e fundos administrativos excepcionalmente dotados de personalidade judiciária, bem como à prestação de consultoria, assessoramento e controle jurídico interno a todos as desconcentrações e descentralizações, verificáveis nos diferentes Poderes que juntos constituem a entidade federada.
Em suma, a advocacia pública compreende as atividades advocatícias prestadas sob regime administrativo em qualquer setor do Poder Público e em prol deste. "Constituem a representação judicial e a consultoria núcleo de um conjunto de funções, que se distribuem em três tipos de atividades: a orientação, a defesa e o controle jurídicos da atividade administrativa".
Quanto à atividade de defesa, o grande impasse diz respeito a "não se confundir a defesa do Estado com defesa do governo, se bem que, por vezes, possa ocorrer". E tal se deve ao fato de que do mesmo modo que no processo penal ao réu deve ser efetivamente garantida a ampla defesa, ao Estado também se deve garanti-la, porque ambas as hipóteses encarnam interesses indisponíveis. "No plano da defesa jurídica, a evolução é marcada pela defesa dita integral, que inclui a judicial e extrajudicial".
Pode perfeitamente acontecer de se ter que defender o governo, uma vez que este dá tônica à atuação estatal, o que, inclusive, determina o comportamento do Estado em ações populares e civis públicas. Mas não se pode chegar ao absurdo de advogados públicos defenderem a pessoa do governante em processos criminais, porque se estaria patrimonializando mão-de-obra qualificada estatal em benefício pessoal. Aliás, o que o Estado ganharia com isso? Nada, só o governo! Não se justifica, portanto, dito patrocínio judicial por advogados públicos.
Já a terceira e nova função, qual seja, o controle jurídico da atividade administrativa, sinaliza para um acompanhamento simultâneo da atividade administrativa (cf. OMMATI, 2001). Os poderes constituintes decorrentes atentaram-se bem para isso, atribuindo às Procuradorias de alguns Estados verdadeira função de controle interno.
Isso decorre também de importante vertente posta ao advogado hodiernamente: a prevenção de litígios. Assim, particularmente ao Advogado Público, decorrem as atribuições de consultoria e assessoria jurídica, o que significa dizer o exame de atos já praticados ou em fase de preparo. E do cumprimento dessas tarefas, vislumbra-se a natural vocação da advocacia pública para a atividade de controle interno (cf. OMMATI, 2001).
Feita toda essa abordagem, queda-se, inerte de dúvidas, que a advocacia pública é uma atividade tipicamente estatal, configurando uma autêntica carreira de Estado. O mandato outorgado por lei é para o patrocínio do interesse público, pautando-se pela moral aplicação impessoal do ordenamento jurídico, sem perder de vista a exigência de eficiência e respeito à dignidade da pessoa humana. Logo, não é um simples advogado dos governantes, como poderia parecer à primeira vista.
Por razões não destoantes, a advocacia pública está abordada no texto constitucional como uma das Funções Essenciais à Justiça. SERGIO DE ANDREA FERREIRA interpreta o vocábulo Justiça estendendo-o além da mera prestação jurisdicional para açambarcar também uma atuação justa do mecanismo estatal, não única e estritamente legal, mas participante de um do processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos (cf. OMMATI, 2001). É inegável que no exercício de suas funções o Advogado Público pratica a justiça por meio de atuação pautada pelo princípio da legalidade e moralidade administrativas.
Vislumbra-se, portanto, a necessidade de autonomia e independência não somente de seus membros, mas dos próprios órgãos (como uns todos). Enfim, autonomia administrativa e financeira das Instituições. Diminuiria-se com isso a reprovação e a reforma de pareceres por motivos meramente políticos. Sem mencionar que reduziria bastante outros tipos de favorecimentos e perseguições, principalmente no que atine à análise de acordos, transações e reconhecimento de pedidos judiciais; permitindo, na mão oposta, o exame imaculado do interesse de se recorrer das sentenças e acórdãos. O Estado Democrático de Direito ganharia muito.
Cláudio Grande Júnior
Procurador do Estado de Goiás
Fonte: http://www.pge.ma.gov.br/
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