ESTÁ NA pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) decidir se o Poder Judiciário pode obrigar as secretarias da Saúde ao fornecimento de medicamentos necessários à preservação da saúde e da vida dos cidadãos que buscam a Justiça. Ficará decidido se a saúde prevalece sobre o orçamento estabelecido pelo poder público ou se o inverso.
No último mês de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório escancarando a ineficiência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na garantia do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) -devido sempre que um usuário de plano de saúde é atendido pela rede pública.(Essa obrigação dos planos exemplifica a liberdade dirigida ditada pela Constituição, pela Lei Orgânica da Saúde, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Planos de Saúde, indicando a submissão do privado ao público.)
Confirmando a incompetência da ANS já apresentada em relatório de 2006, o TCU agora revela que, de 2003 a 2007, a agência deixou de cobrar R$ 2,6 bilhões de ressarcimento por atendimentos de média e alta complexidade feitos pelo SUS a usuários de planos de saúde.
Uma compreensão restritiva e compartimentada da saúde não é capaz de relacionar um fato com o outro. Mas enfrentar o conjunto de questões que transitam entre o público e o privado é a chave para a solução de uma infinidade de problemas que assolam a saúde no país. No caso da judicialização de acesso aos medicamentos, à medida que a Justiça consagrou o direito constitucional dos cidadãos de receber os medicamentos de que necessitam, as secretarias da Saúde começaram a questionar o fenômeno.
Entre as principais críticas, estão o tratamento individualizado em prejuízo do coletivo, a desorganização dos serviços, os maiores preços pagos pelos medicamentos comprados para atender demandas individuais e o desrespeito a consensos terapêuticos. Sob o manto de zelar pelo bom uso do dinheiro público, essa retórica coloca sob os ombros dos cidadãos a culpa por terem que buscar na Justiça o reconhecimento do seu direito essencial ao medicamento garantido pela Constituição Federal.
Com todo respeito aos bem-intencionados em defesa do SUS, convém uma reflexão sobre a inversão da ordem das coisas. A população sofre com a escassez de medicamentos, leitos hospitalares e atenção básica não por causa dos recursos gastos para cumprir as determinações judiciais. O sofrimento desumano a que os cidadãos são submetidos é culpa dos governantes que não investem ou empenham corretamente o orçamento destinado à saúde; é devido à falta de racionalidade, organização, eficiência e vontade política. Sem o Poder Judiciário atuante, os governantes que já não obedecem a Constituição Federal e as leis ficariam mais à vontade para pisotear na saúde da população.
Portanto, as ações judiciais que reivindicam medicamentos não são contra o SUS, que é o sistema de saúde dos cidadãos, e não dos gestores de saúde. É interesse público que o direito à saúde e a dignidade humana de cada um, que nos lembra que o homem não tem preço, sejam respeitados. A independência e o equilíbrio entre os três Poderes são pilares da Constituição e servem, entre outras finalidades, para impedir que se cale a voz dos juízes e dos cidadãos.
É urgente que as três esferas do Poder Executivo busquem a melhor destinação dos recursos públicos, com eficiência e sem admitir desvios, além de atuar com rigor para fazer retornar aos cofres públicos os valores que a ANS não se empenha em exigir dos planos de saúde, para impedir os abusos dos laboratórios farmacêuticos, as concessões indevidas de patentes, as publicidades atentatórias à saúde da população (de alimentos, medicamentos, bebidas alcoólicas), que tantos ônus trazem para o SUS. Estaríamos apontando para o rumo correto, em vez de condenar o cidadão a não receber o medicamento de que precisa para se manter vivo.
ANDREA LAZZARINI SALAZAR, 36, advogada, é consultora jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".
KARINA BOZOLA GROU, 33, advogada, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, é gerente jurídica do Idec e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".
Fonte: Folha de S. Paulo
No último mês de março, o Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou relatório escancarando a ineficiência da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na garantia do ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS) -devido sempre que um usuário de plano de saúde é atendido pela rede pública.(Essa obrigação dos planos exemplifica a liberdade dirigida ditada pela Constituição, pela Lei Orgânica da Saúde, pelo Código de Defesa do Consumidor e pela Lei dos Planos de Saúde, indicando a submissão do privado ao público.)
Confirmando a incompetência da ANS já apresentada em relatório de 2006, o TCU agora revela que, de 2003 a 2007, a agência deixou de cobrar R$ 2,6 bilhões de ressarcimento por atendimentos de média e alta complexidade feitos pelo SUS a usuários de planos de saúde.
Uma compreensão restritiva e compartimentada da saúde não é capaz de relacionar um fato com o outro. Mas enfrentar o conjunto de questões que transitam entre o público e o privado é a chave para a solução de uma infinidade de problemas que assolam a saúde no país. No caso da judicialização de acesso aos medicamentos, à medida que a Justiça consagrou o direito constitucional dos cidadãos de receber os medicamentos de que necessitam, as secretarias da Saúde começaram a questionar o fenômeno.
Entre as principais críticas, estão o tratamento individualizado em prejuízo do coletivo, a desorganização dos serviços, os maiores preços pagos pelos medicamentos comprados para atender demandas individuais e o desrespeito a consensos terapêuticos. Sob o manto de zelar pelo bom uso do dinheiro público, essa retórica coloca sob os ombros dos cidadãos a culpa por terem que buscar na Justiça o reconhecimento do seu direito essencial ao medicamento garantido pela Constituição Federal.
Com todo respeito aos bem-intencionados em defesa do SUS, convém uma reflexão sobre a inversão da ordem das coisas. A população sofre com a escassez de medicamentos, leitos hospitalares e atenção básica não por causa dos recursos gastos para cumprir as determinações judiciais. O sofrimento desumano a que os cidadãos são submetidos é culpa dos governantes que não investem ou empenham corretamente o orçamento destinado à saúde; é devido à falta de racionalidade, organização, eficiência e vontade política. Sem o Poder Judiciário atuante, os governantes que já não obedecem a Constituição Federal e as leis ficariam mais à vontade para pisotear na saúde da população.
Portanto, as ações judiciais que reivindicam medicamentos não são contra o SUS, que é o sistema de saúde dos cidadãos, e não dos gestores de saúde. É interesse público que o direito à saúde e a dignidade humana de cada um, que nos lembra que o homem não tem preço, sejam respeitados. A independência e o equilíbrio entre os três Poderes são pilares da Constituição e servem, entre outras finalidades, para impedir que se cale a voz dos juízes e dos cidadãos.
É urgente que as três esferas do Poder Executivo busquem a melhor destinação dos recursos públicos, com eficiência e sem admitir desvios, além de atuar com rigor para fazer retornar aos cofres públicos os valores que a ANS não se empenha em exigir dos planos de saúde, para impedir os abusos dos laboratórios farmacêuticos, as concessões indevidas de patentes, as publicidades atentatórias à saúde da população (de alimentos, medicamentos, bebidas alcoólicas), que tantos ônus trazem para o SUS. Estaríamos apontando para o rumo correto, em vez de condenar o cidadão a não receber o medicamento de que precisa para se manter vivo.
ANDREA LAZZARINI SALAZAR, 36, advogada, é consultora jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".
KARINA BOZOLA GROU, 33, advogada, mestre em direito constitucional pela PUC-SP, é gerente jurídica do Idec e co-autora do livro "A Defesa da Saúde em Juízo".
Fonte: Folha de S. Paulo
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