O dia 19 de fevereiro de 2008 ficará como um dia emblemático na memória da Advocacia Pública Federal. Neste dia, a AGU registrou a exoneração, a pedido, do advogado da União Antenor Pereira Madruga Filho, que, 12 anos após ingressar na instituição, optou por retornar à advocacia privada, e a exoneração do advogado da União Luis Henrique Martins dos Anjos do cargo de procurador-geral da União (publicada no Diário Oficial de 20 de fevereiro), isto em meio a uma greve decretada em face do descumprimento de um acordo salarial firmado com a representação governamental (Ministério do Planejamento e AGU).
Quinze anos após sua criação, em 1993 (Lei Complementar 73, de 10 de fevereiro de 1993), a situação é emblemática porque os advogados da União referidos, ambos ingressos na carreira por concurso público (1996 e 2000), além de terem prestados relevantes serviços para o Estado brasileiro e para este governo, ocupando inclusive cargos estratégicos no Ministério da Justiça e na AGU, são reconhecidos por seus pares como advogados públicos dos mais capacitados, tanto do ponto de vista técnico como por sua larga experiência profissional.
Por que, a alguns, a idéia de uma advocacia de Estado forte, com atuação transparente, impessoal e independente, assusta tanto, ou até mais, que a de um Ministério Público, Tribunal de Contas, polícia ou imprensa independentes e atuantes, como convém ao Estado Democrático de Direito? Por que incomoda tanto a implementação efetiva de princípios ínsitos à idéia de República, designadamente aqueles ligados à idéia de controle e responsabilização?
Precisamente no momento em que a AGU se prepara para um desafio ainda maior, o que se assiste, surpreendentemente, é o fomento de sua fragilização, buscando associá-la, e a seus quadros, ao que há de pior no serviço público federal, já tão injustamente denegrido em anos não tão distantes. Com efeito, está em pauta na AGU justamente reforçar a independência técnica de sua atuação, de modo a prestar um assessoramento e consultoria ao Poder Executivo que contribuam para a boa administração, evitando-se desvios e escândalos, e assumir um papel ativo no ajuizamento de ações de improbidade e civis públicas contra aqueles que, por ação ou omissão ilícitas, causem prejuízos ao patrimônio público federal. A quem interessa fragilizá-la neste momento?
Em 2006, os advogados da União tiveram a honra de receber no Brasil, em Recife, os representantes da Avvocatura dello Stato Italiano e da Abocacia General del Estado Espanõl, instituições que se destacam, respectivamente, nos Estados italiano e espanhol e cujos membros gozam de distinta dignidade profissional e remuneratória. Na ocasião, prestaram diversos depoimentos, falando da forma respeitosa como são tratados os advogados do Estado em seus respectivos países, como, aliás, era de se esperar.
É hora, portanto, de refletir. Com a evasão de seus melhores quadros, a perda da memória e a fragilização institucional, quem ganha não é o Estado nem a sociedade. A exoneração de um procurador-geral que, durante a sua elogiada gestão, procurou prioritariamente fomentar a aproximação da AGU do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União, responsáveis por atividades de controle e responsabilização, buscando agilizar e descentralizar a adoção das medidas judiciais que são de competência da AGU (execuções, medidas cautelares, ações de indenização, civis públicas e de improbidade), preocupa, mas, acima de tudo, impõe profunda reflexão, pois pode ser apenas a ponta de problemas maiores de concepção.
A remuneração dos advogados públicos federais é, sabidamente, cerca da metade daquela paga, pela mesma União, a outras carreiras integrantes das funções essenciais à Justiça (Título IV, Capítulo IV, CF). Outrossim, está aquém daquela paga a outras carreiras típicas de Estado, no âmbito do próprio Poder Executivo.
Ora, apenas o valor dos honorários advocatícios e encargos legais decorrentes da atuação vitoriosa da advocacia pública federal em juízo em 2007, cerca de R$ 700 milhões apontam para a sua situação superavitária. Importante assinalar que estes valores, pertencentes aos advogados públicos por força da Lei 9.806/94, tem sido apropriados indevidamente pela União.
Ao cidadão italiano, que remunera o advogado do Estado com salário de juízes e ainda a eles destinam os honorários advocatícios — segundo depoimento do próprio advogado-geral do Estado Italiano, que visitou o Brasil em 2007 —, a questão possivelmente é outra. Lá, possivelmente, interessa principalmente assegurar condições para uma atuação da Advocacia Pública que seja eficiente e que realmente proteja o Estado dos achaques quotidianos a que está exposto.
Fonte: Revista Consultor Jurídico
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