No último dia 14 de abril, por volta das 19:30 horas, o Deputado Federal José Eduardo Cardozo, do PT de São Paulo, Presidente da Frente Parlamentar da Advocacia Pública, recebeu os Procuradores da Cidadania. A entrevista contou com a presença do Diretor Geral da União dos Advogados Públicos Federais-UNAFE, Rogério Vieira Rodrigues. Temas importantes da Advocacia Pública foram tratados na entrevista. Confira a íntegra.
Procuradores da Cidadania: Enquanto Presidente da Frente Parlamentar da Advocacia Pública, quais tem sido as atividades e as recentes incursões que o Sr. tem adotado?
Deputado José Eduardo Cardozo: Nós temos sido muito demandados em diversos temas. Desde a questão da apresentação de propostas que possam reforçar, do ponto de vista legislativo, do ponto de vista constitucional, a atuação dos advogados públicos até problemas localizados, como tensões em certos Municípios entre as Procuradorias e certos dirigentes do Executivo. Isso acaba demandando que a Frente Parlamentar faça algumas mediações.
É claro que a Frente ainda é nova e nós estamos buscando um enraizamento maior em todos os seguimentos da Advocacia Pública, que somente agora começa a se fazer representar no Congresso. É uma preocupação que tive desde quando assumi na Câmara, mas agora, conversando com lideranças dos advogados públicos, vejo as entidades se unificando, posturas unitárias sendo tomadas. Isso facilita muito nosso papel parlamentar de articulação de políticas que possam favorecer o advogado público. Não do ponto de vista estritamente corporativo, mas também do ponto de vista da relevância que a sua função tem para o país e para o Estado Democrático de Direito.
Procuradores da Cidadania: Como tem sido o contato com as associações e as instituições federais, estaduais e municipais? Há uma receptividade?
Deputado José Eduardo Cardozo: Muito interessante. Há uma integração que começa a ser feita agora. Como eu dizia, esse é o meu segundo mandato como Deputado. Quando eu cheguei fiquei muito assustado com a ausência de uma representação mais articulada dos advogados públicos. Aliás, o advogado público, me parece, achava que a Ordem dos Advogados ou outros segmentos poderiam representá-lo melhor. Além disso, tensões internas entre os advogados públicos acabava afastando uma representação unitária, criando-se um vácuo.
Hoje, o que se constata, é que embora o advogado público seja representado pela OAB, ele tem uma identidade própria, uma identidade diferenciada. Ele deve se organizar enquanto advogado público nas três esferas federativas, porque há questões que são comuns aos advogados públicos. Essas questões não podem ceder espaço às pequenas disputas corporativas em que uns acham que são melhores que outros ou que existem advogados públicos de primeira categoria, segunda categoria. Isso não existe! Advogado público é advogado público; é uma espécie de advogado, com identidade própria, e como tal tem que ser representado.
O fortalecimento deve ocorrer na perspectiva, repito, não estritamente corporativa, mas na perspectiva da defesa do Estado de Direito e do relevante papel que o Advogado Público tem do ponto de vista da legalidade, do ponto de vista da moralidade pública.
Procuradores da Cidadania: Falta identificação do advogado público à instituição do qual ele faz parte?
Deputado José Eduardo Cardozo: Não, eu acho que a identidade é clara. Eu acho que o que é necessário é que o advogado público tenha consciência disso, ou seja, nem todo advogado público percebe isso. Não constata que ele tem uma diferença de atuação. Ele não é o advogado de um cliente privado, mas sim de um ente público. Ele não persegue a advocacia de interesses privados e particulares, ele persegue a defesa do interesse público.
Isso gera contradições na atuação dele, porque ao mesmo tempo em que ele é advogado de quem governa, ele é não é advogado do governante. Essas contradições dão ao advogado público uma identidade muito diferenciada. Aliás, essa particularidade precisa ser analisada, respeitada e repetida para que não haja os excessos corporativos, mas para que também não haja debilidades na perspectiva da defesa de certas prerrogativas profissionais que são fundamentais para que possa cumprir o seu papel.
Procuradores da Cidadania: E frente às demais carreiras jurídicas essenciais à administração da Justiça, como o Sr. tem enxergado a Advocacia Pública?
Deputado José Eduardo Cardozo: De todas as carreiras jurídicas, a Advocacia Pública é a que tinha a representação parlamentar, até tempos atrás, mais debilitada. Os magistrados, os delegados e os promotores sempre estavam presentes no Congresso dialogando, por vezes com disputas internas, com disputas entre entidades nacionais e estaduais, mas sempre presentes.
Os advogados públicos tinham um nível mínimo de expressão assustadora. Absolutamente assustadora! Como se fossem representados pela OAB, que, obviamente, também os representa, mas muitas vezes não considera as peculiaridades próprias do advogado público.
Agora parece que a coisa melhora. Eu vejo entidades ativas, gente que está permanentemente aqui, dialogando conosco. Eu posso até dizer o seguinte: a própria formação da Frente Parlamentar surgiu das lideranças da Advocacia Pública, e não uma postura parlamentar minha ou de outros advogados públicos que estão no Congresso. Então, eu acho que essa é uma dimensão nova, ou seja, eu acho que pela primeira vez os advogados públicos começam a apresentar suas reflexões e intervenções no Congresso Nacional.
Hoje o advogado público está presente no Parlamento. É claro que deve aperfeiçoar, aprofundar, dar mais força às entidades, participar mais ativamente.
Procuradores da Cidadania: Na sua visão, a Advocacia Pública tem mudado o enfoque de atuação com mais transparência, menos litigiosidade, mais eficiência e estratégia na atuação?
Deputado José Eduardo Cardozo: Começou a modificar. Eu via antes as seguintes situações: em primeiro lugar, o advogado público muito separado. Os procuradores do estado não dialogavam com os advogados da união, os advogados da união não dialogavam com os procuradores do município. Meio que cada um por si, Deus por todos. Segundo lugar, não conversando entre si também, com divisões dentro das suas carreiras. Divisões internas e entre instituições irmãs nas esferas federativas.
Isso trazia também um problema: as reivindicações que o advogado público tinha nesse contexto mais antigo eram reivindicações estritamente corporativas. Era o salário, eram melhores vencimentos. Não que isso não seja importante, evidente. Qualquer profissão deve ser tratada com dignidade. É legítimo que se pleiteie melhor remuneração.
No entanto, como o advogado público não tinha dimensão do seu papel no Estado, ele brigava por salário, mas não brigava pela defesa da sua autonomia, do respeito de sua atuação funcional, que na verdade é o que gera em um segundo momento uma remuneração melhor. Essa má concepção muitas vezes desqualificava alguns movimentos do advogado público.
O advogado público tem uma identidade muito própria dele e na medida em que não percebe isso, não luta pelas garantias que a carreira deve ter dentro do Estado brasileiro. Freqüentes são as tensões e quando você não percebe que é um advogado do estado e não um advogado do governante, você comete equívocos.
E por outro lado, as vezes você não percebe que é um advogado e não um juiz. Essa identidade tem que ser construída para o amadurecimento da Advocacia Pública, para o fortalecimento dela como instituição, porque ele não é um Ministério Público, nem é o juiz; ele é um advogado, mas não um advogado do governo, é um advogado do Estado.
É uma situação muito diferenciada, que gera tensões. Se ele não percebe isso e não luta pelas garantias adequadas a sua atuação. Se ele não luta pela construção de uma identidade institucional da Advocacia Pública, na verdade acaba lutando por questões pontuais menores e, que em uma luta maior costumam ser uma conseqüência.
É sobre essas questões que hoje eu vejo as lideranças começarem a atuar. Eu, por exemplo, estou terminando o meu segundo mandato feliz, porque vi uma evolução profunda das lideranças que vem aqui. Eu sinto que hoje não há um movimento do Congresso Nacional para trazer o advogado público. Na realidade, o advogado público está vindo para aglutinar ao Congresso Nacional dentro de uma discussão madura, séria, com questões concretas. É fundamental que se construa essa relação com a sociedade brasileira.
Procuradores da Cidadania: O Sr. acha que esse é o caminho para emancipação e para consolidação da Advocacia Pública?
Deputado José Eduardo Cardozo: Fundamental! Eu acho que esse é o caminho. Hoje estamos em um bom caminho. Quando eu cheguei aqui eu não via caminho nenhum. Hoje eu vejo!
Procuradores da Cidadania: No tocante ao cargo de Procurador Geral ou Advogado Geral da União, o Sr. acredita que este deva ser eleito e ocupado por integrante da carreira? O Sr. acha que isso interfere na tutela do interesse público?
Deputado José Eduardo Cardozo: Nós temos que sempre ter um temperamento na Advocacia Pública que, muitas vezes, implique que tenhamos a medida certa para a coisa certa. A interpretação do Direito não é neutra e a advocacia muito menos. Um advogado que tenha uma certa formação política, ideológica, seguirá certos caminhos que outro advogado não seguirá.
Por isso, evidentemente, não podemos desprezar o afinamento político que a advocacia da União tem que ter com o governo, por exemplo. O que não quer dizer submissão.
Eu acho que esse meio termo é difícil de ser encontrado. Não tenho dúvida que do ponto de vista da carreira, alguém da instituição comandando a advocacia da União é muito importante. Por outro lado não podemos desprezar que o governo tem que ter algum afinamento com o advogado da União, porque se não tiver, a carreira perde até a sua força.
Essa questão é importante, porque as vezes imaginamos que, fechando espaços corporativos, teríamos mais força, mas nem sempre isso é verdade. E aí que há a desqualificação. Se o advogado da União não tem nenhuma confiança do Presidente da República, ele não será ouvido. Assim, nessa questão temos que ter muita lucidez.
Nenhum governo confia em um órgão que, evidentemente, tem pessoas que não se alinham com sua identidade ideológica. Para a advocacia da União ter peso é necessário ter alguém que o Presidente da República respeite. Por exemplo, o Ministro Toffoli, que está fazendo um excelente trabalho na advocacia da União, é uma pessoa muito respeitada pelo Presidente. E não é de carreira. No entanto, ele tem valorizado mais a Advocacia da União do que se fosse talvez alguém de carreira.
Então essa questão deve ser pensada com muita lucidez, ou seja, é evidente que alguém sendo da carreira ajuda, mas tem que ser alguém que tenha proximidade ideológica com o governo, sem submissão. O Advogado Geral da União não é um Ministro qualquer. Ele é um Ministro que tem a responsabilidade de fazer um controle interno da legalidade, devendo ser alguém respeitado, não submisso! E pelo respeito, ser ouvido. Não ser um seguidor de ordens do Presidente da República, mas ao mesmo tempo não ser um antagonista dele. Esse meio termo que é difícil para o advogado público construir.
Há assentos próximos do Poder que são chaves do direcionamento político, em relação aos quais a relação de confiança é indispensável. Não é possível ter um Ministro de Estado que não tenha relação com a Presidência, porque se tiver, não será ouvido, não terá peso.
Procuradores da Cidadania: Em relação à PEC 82 que trata da autonomia da Advocacia Pública, o Sr. acredita que essa matéria tem alguma receptividade no Parlamento?
Deputado José Eduardo Cardozo: É um tema muito polêmico. Eu defendo a autonomia administrativa, a independência funcional. No entanto, muita gente não quer, por argumentos que eu não concordo. Tem muita gente que acha que o advogado público é um problema para o governo. Eu diria que o advogado público é um problema para o mau governo.
É isso que nós temos que construir: ele é um problema para o mau governo, porque ele reforça a legalidade. Isso também exige que nós advogados públicos também tenhamos a clareza que não somos juízes. Nós como advogados devemos construir teses. Nós não fazemos julgamentos. Às vezes, o governante quer implementar uma política, o advogado público tem que buscar uma alternativa para implementação. Ele não pode dizer desde já “não pode”.
Essa postura nossa é muito importante e no fundo, como nunca construímos uma reflexão a esse respeito, isso é um foco de tensão. Por vezes o advogado público pensa que é juiz, e em outras vezes ele pensa que tem um cliente privado, que deve atender qualquer coisa; também não é isso. Esse meio termo deriva de uma construção teórica do nosso papel. Nós não somos juízes e não somos promotores, nós somos advogados, mas não de um cliente privado ou do governo, sim do Estado.
Procuradores da Cidadania: É conhecido o alto nível de terceirização dentro da Advocacia Pública em cargos comissionados, o Sr. acredita que o desempenho de atividades típicas de advogado público por advogados ou bacharéis em Direito compromete a atuação da Administração Pública?
Deputado José Eduardo Cardozo: A terceirização da Advocacia Pública é um desastre para o Estado. A Advocacia Pública é típica de Estado. Ela tem que ser exercida por pessoas concursadas e efetivas. Passar a Advocacia Pública para escritórios é privatizar a defesa do interesse público.
Isso não dá certo do ponto de vista da eficiência e não dá certo do ponto de vista da moralidade pública. Eu não quero ter o interesse do Estado na mão de pessoas que não possuem nenhum tipo de compromisso com o Estado.
Procuradores da Cidadania: Dep., o Sr. acha que com a presença do presidente Michel Temer, Procurador do Estado de São Paulo, advogado público, a Advocacia Pública tem tudo para entrar na ordem do dia, ter os seus temas com maior emplacamento agora no Congresso Nacional?
Deputado José Eduardo Cardozo: Eu acho que nós temos uma vantagem, porque o Michel Temer, tendo sido Procurador do Estado, tem uma vivência na área do Direito e na área da Advocacia Pública, portanto, terá sensibilidade para as nossas questões.
No entanto, é importante ter claro que um Deputado, mesmo que seja Presidente da Câmara, não resolve as coisas sozinho. Cabe aos advogados públicos com a sua organização, com as suas lideranças, com a consciência do seu papel no Estado brasileiro, apresentar as propostas e lutar para que elas sejam implementadas.
Ter pessoas como Michel Temer, que viveu a Advocacia Pública, ajuda muito, mas não resolve. Quem dá a tônica dessa construção são os próprios advogados públicos organizados, dialogando entre si, e produzindo políticas que possam ser boas não só para o advogado público, mas para o Estado brasileiro.
Procuradores da Cidadania: Dep., queremos agradecer a cordialidade em nos receber no seu gabinete e destacar o relevante papel unificador da Advocacia Publica Federal, Estadual e Municipal que o Sr. desempenha junto à Frente Parlamentar da Advocacia Pública.
Deputado José Eduardo Cardozo: Agradeço a vocês também e ressalto que a perspectiva de atuação dos Procuradores da Cidadania revela um modelo muito interessante, que busca uma sensibilização de fora para dentro. Ou seja, a partir da sociedade para dentro da própria Advocacia Pública. Não podemos mais perder tempo apenas com questões corporativas e conflitos internos: o caminho é a demonstração da relevância de nossas atividades para a sociedade civil.
quarta-feira, 29 de abril de 2009
Procuradores da Cidadania entrevistam Dep. José Eduardo Cardozo
Dep. José Eduardo Cardozo, Rogério Rodrigues (UNAFE) e Thiago Luís Sombra (Procuradores da Cidadania)
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